Cérebro, Mente, Educação & Futuro

Cérebro

Podemos considerar o cérebro como uma grande rede de comunicações, com alguns centros de controlo especializados, onde a informação circula sob a forma de uma corrente electroquímica. O principal substracto biológico desde rede são os neurónios e as suas ligações (sinapses). Uma das características mais estudadas tem sido sido a sua plasticidade (neuroplasticidade). Significa que diferentes heranças genéticas e vivências (estimulações diferentes, aprendizagens diferentes), moldam o cérebro de cada um de forma única, formando sinapses individualizadas na rede neuronal, como se de uma impressão digital se tratasse. A nossa programação genética determina a neuroarquitectura no seu todo, mas é a interacção com o ambiente que determina pormenores fundamentais, ou seja, quais as ligações que são mantidas, se houver estimulação/aprendizagem e quais são eliminadas, em caso de carência de estímulos. Este fenómeno, chamado de eliminação sináptica (poda sináptica) é especialmente intenso nos três primeiros anos de vida. Podemos afirmar, que as ligações da rede neuronal que não forem utilizadas, pura e simplesmente desaparecem. Sabe-se, atualmente, que abaixo de um limiar critico de estimulação os danos causados serão irrecuperáveis (ex: visão e linguagem). Obviamente que esta é uma péssima consequência que uma estimulação regular e apropriada da criança pode evitar.

É deste substracto biológico, o cérebro, que emerge a sua atividade: a mente.

Mente

A mente é a atividade do cérebro, expressando-se por fenómenos de sentir e pensar, tal como a sístole e a diástole são a atividade do coração.

Aproveitar a neuroplasticidade depende muito do grau de estimulação da mente, por isso é fundamental que as crianças sejam educadas na realidade, estimuladas nos seus nove sentidos (consideramos os cinco sentidos clássicos acrescidos da termocepção, nocicepção, propriocepção e equilíbrio) e não apenas nos dois (visão e audição) que existem no mundo virtual. A mente influencia o cérebro, e a rede neuronal resultante influencia as capacidades da mente, no que poderá ser uma espiral em crescendo de acordo com a riqueza da estimulação proporcionada. Em paralelo com a vivência sensorial e desenvolvimento psico-motor há todo um desabrochar sócio-emocional e cognitivo em que a necessidade de comunicar e a interactividade humana são fundamentais. Assim, cérebro e mente, influenciam-se mutuamente desenvolvendo-se em uníssono.

A criança no seu crescimento vincula-se a tudo em seu redor (pais, família e amigos, língua nativa, sabor da comida, música, roupa, religião, clube desportivo etc) sendo esses laços firmados pelo prazer e pelas emoções. Toda essa informação fica arquivada nos centros de memória (ex:hipocampo, gânglios da base) e terá influência determinante no seu futuro. Há assim uma oportunidade única de orientar esse processo de vinculação para a aprendizagem, o estudo, a pesquisa, em vez de o deixarmos” correr” aleatoriamente.

Vincular as crianças à aprendizagem é criar motivação intrínseca, o prazer pelo ato de aprender. Criadas as fundações, será de esperar que toda a construção do “edifício” das habilitações académicas decorra com mais facilidade, pois a motivação para tal já foi internalizada.

 Podemos assim conduzir o processo de vinculação, tal como um agricultor conduz os ramos ainda verdes da videira através da latada. Depois de amadurecidos, esses ramos já castanhos, ficarão rígidos oferecendo muita resistência á mudança, tal como a mente humana.

Esta neuroplasticidade e a inexistência de resistência da mente infantil, são a grande oportunidade educativa.

Educação

Desconhece-se a existência de qualquer faixa etária em que a educação possa ser prejudicial, ou que deva ser dispensável.

Sabe-se atualmente que a primeira infância, período do nascimento aos seis anos, é o  mais sensível do desenvolvimento humano. É nesta fase, que reside a maior oportunidade de crescimento e aprendizagem vinculativa, para o que entendermos ser o melhor. Por isso, as boas creches não se ocupam apenas a tratar das necessidades fisiológicas das crianças, mas envolvem-nas em atividades regulares de estimulação motora, emocional e cognitiva, seguindo currículos estruturados em que os educadores e assistentes sabem porque fazem o que fazem, porque têm conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro e da mente infantil, estando conscientes do elevado serviço que prestam, do futuro que estão a construir para os seus alunos. É claro que, alinhados numa forte parceria com os pais.

Assim, a memória biográfica das crianças começa a registar os valores, a memória de procedimentos os hábitos e a memória factual a informação. Se desejarmos minimizar a pobreza ou extingui-la, reduzindo consequentemente custos de apoio social, temos na primeira infância a oportunidade única de iniciar a caminhada correta tirando partido das três memórias citadas para criar pessoas eficientes (sentido do dever, hábitos de trabalho e habilitações). Desta forma podemos quebrar o ciclo pobreza –ineficiência-pobreza. Considerando apenas esta vertente económica, no âmbito dos vastíssimos e variados benefícios de uma boa educação, o professor James Heckman, Nobel da economia em 2000, já estudou e avaliou o impacto financeiro do investimento na primeira infância, com oferta educativa, e respectivo retorno (Equação de Heckman). Após análise dos programas “Perry Preschool Project“  (PPP) e “Carolina Abcedarian Project” (CAP) iniciou a defesa de forma acérrima da importância do investimento na educação dos zero aos cinco anos e especialmente entre o nascimento e os três anos, pois, descobriu o incomensurável retorno desse investimento. Os programas citados, especialmente destinados a crianças de famílias carenciadas,  expressaram uma mudança de paradigma em que o tempo de creche passou a ser visto como a grande oportunidade educativa para além da necessidade de apoio social. Segundo Heckman por cada dólar investido na primeira infância houve um retorno entre 60 a 300 dolares na idade adulta. Essse retorno, ao ano, por criança, variou entre 7% e 10% no PPP e 13% para o CAP,  sobre o investimento efectuado. De realçar que o retorno foi maior no CAP que envolvia crianças desde o nascimento aos quatro anos, comparativamente ao PPP cujo programa tinha por objectivo crianças com três/quatro anos. Quanto mais precoce foi o envolvimento num programa educativo maior o retorno.

 Decididamente Heckman sofreu um salto de percepção.

O Futuro

Tal como os conhecimentos de anatomia, fisiologia e biologia transformaram a medicina Hipocrática na medicina científica que agora se pratica, também o conhecimento do cérebro-mente, providenciado pelas neurociências cognitivas, transformará as práticas educativas atuais, permitindo tirar o máximo proveito das capacidades humanas. A valorização da educação na primeira infância será o grande alvo a revolucionar, o período educativo onde deverão estar os melhores e mais bem preparados professores, pois, como sabemos, a teoria sem a prática não é nada. Os fundamentos teóricos indicam o caminho mas é o conhecimento de quem está no “terreno”, a sua persistência, engenho e arte, que transforma a realidade. Assim, todo o investimento  a realizar para o acesso generalizado a serviços de creche e pré-escolar, será um grande avanço, mas insuficiente se não for acompanhado de uma missão educativa de qualidade, que constituirá a base, a fundação, da motivação académica, da eficiência profissional e da realização pessoal. Seguramente uma tarefa enorme que necessitará do contributo de todos.

Desta forma, é possível focarmo-nos no aluno desde o nascimento, atribuir prioridade ao investimento na educação da primeira infância, recuperar dos maus resultados escolares invertendo as estatísticas, criando crianças e adolescentes motivados, que possam seguir as carreiras dos seus sonhos libertos do espectro da pobreza.

Objectivos extraordinários requerem soluções extraordinárias e só uma nova percepção poderá estar na base duma grande mudança.

João Paisana Lopes

Sócio Gerente do Colégio Divertiláxia

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